quarta-feira, 16 de março de 2016

As lentes da sensibilidade

Março é o mês das mulheres e quem leva a notícia ao telespectador, com sensibilidade e competência, merece destaque e reconhecimento. Flávia Araújo, Mariana Malato e Syanne Neno, jornalistas esportivas paraenses, falaram com o Blog sobre suas experiências, as dificuldades encontradas e, claro, de momentos históricos do futebol nacional que foram noticiados por elas.

Desde 2013, Flávia Araújo é repórter esportiva da TV Liberal, afiliada da Rede Globo, no Estado do Pará. Quem a vê, atualmente, no Globo Esporte, pode não saber que iniciou a carreira em outra área, completamente diferente. Antes de concluir o Curso de Jornalismo, pela Universidade da Amazônia (UNAMA), em 2012, teve sua primeira experiência no vídeo, que foi no programa policial Rota Cidadã 190, da RBATV, que é vinculada à Rede Bandeirantes.

Flávia Araújo entrevistando Rivaldo, ex-jogador de futebol. (Foto: Antônio Cícero. Disponível em: http://jornalistasdopara.blogspot.com.br/2014/11/coleguinhas-da-imprensa-no-mangueirao.html)

Situação semelhante ocorreu com Mariana Malato, apresentadora do programa Camisa 13, também da RBATV, ao lado de Zaire Filho. Iniciou o estágio na TV Liberal, no terceiro semestre da Faculdade de Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo, pela Faculdade do Pará (FAP). Segundo Malato, “o estágio força o estudante a conhecer todas as editorias do Jornalismo e, do esporte à área policial, também fui obrigada a passar por tudo”.

Mariana Malato, no cartaz de divulgação do Programa Camisa 13, ao lado de Zaire Filho. (Disponível em: https://pt-br.facebook.com/Camisa-13-207822102675734/).
 
Já Syanne Neno, que comanda o Meio de Campo, programa que antecede as transmissões das partidas do Campeonato Paraense de Futebol, na TV Cultura e administra o site nenodesaltoalto.com.br, onde é possível ler seus textos, sempre teve muita identificação com o Jornalismo Esportivo. Graduada pela Universidade Federal do Pará, começou como estagiária na mesma emissora em que trabalha atualmente. Também passou pela TV Liberal, onde foi repórter e apresentadora do Globo Esporte, além de trabalhar, em 2005, durante um mês, na TV Globo do Rio de Janeiro e fazer parte das equipes da Record Belém e RBATV.
 
Syanne Neno grava matéria no Estádio Evandro Almeida (Baenão). (Disponível em: http://www.testosterona.blog.br/2015/07/23/testosterona-entrevista-syanne-neno/).
 
Todavia, para elas, nem tudo são flores. As dificuldades de quem inicia a carreira jornalística são enormes. Malato nos relatou que, no mercado de trabalho, há muita resistência a novos profissionais. Também ressaltou que “as facilidades da atualidade acabam formando um time de neo-profissionais preguiçosos e acomodados, mas nem todos os novatos se encaixam nisso”.
 
As mudanças de editorias foram os principais desafios, para Flávia, que destaca a importância das pessoas que lhe ajudaram na fase de adaptação ao Jornalismo Esportivo, fazendo com que se sentisse à vontade para escrever sobre o tema. “Foi uma paixão que descobri e hoje não penso mais em voltar pra ‘geral’”, afirma.
 
Syanne Neno falou que o único problema que teve foi a falta de costume dos torcedores em ver uma mulher adentrando o gramado. Acrescentou, dizendo que, aos poucos, foi conquistando seu espaço ao mostrar o trabalho, os convencendo de que entendia de futebol.
 
Para Mariana, quando se fala de esportes, as barreiras são muito maiores, já que são impostas pelo preconceito, que vai desde o machismo da família até comentários maldosos na rua e no ambiente profissional. “Todas as mulheres que trabalham com futebol estão sujeitas a isso. Ainda somos minoria. Mas o cenário está mudando e fico feliz de fazer parte disso”.
 

Mariana Malato em matéria no Ver-O-Peso, um dos principais pontos turísticos de Belém/PA, sobre o aniversário do Clube do Remo.

Araújo, que atuou em editorias predominantemente masculinas, aponta o crescimento do número de mulheres tanto no Jornalismo Esportivo quanto no esporte em si: “Mas, pessoalmente, não vi nenhuma barreira. Pelo contrário, senti nas duas áreas (policial e esportiva) que há cada vez mais necessidade de se ver mulheres. É diferente. O olhar, a sensibilidade. E com certeza, eles também gostam de nos ver ali, lado a lado (risos)”.

Muitos momentos históricos para o futebol paraense e brasileiro foram mostrados ao mundo por estas profissionais. O dia seguinte à vitória do Paysandu sobre o Boca Juniors/ARG, no mítico Estádio La Bombonera, pelas Oitavas de Final da Taça Libertadores da América de 2003, mostrando a festa dos bicolores em Belém, para Syanne Neno, foi de extrema relevância, já que encerrou o Globo Esporte, para todo o Brasil.



Matéria de Syanne Neno, que encerrou o Globo Esporte do dia seguinte à vitória do Paysandu Sport Club sobre o Club Atlético Boca Juniors/ARG, no Estádio La Bombonera, pelas Oitavas de Final da Taça Libertadores da América de 2003.
 
Ainda no âmbito internacional, as lembranças ruins também deixaram seus aprendizados para as repórteres. Mariana Malato, logo que entrou na RBATV, apresentava o “Minuto Campeão”, que abordava assuntos envolvendo a Copa do Mundo de 2014. Como assistia aos jogos, analisava e elaborava comentários, a derrota da Seleção Brasileira, na Semifinal, para os alemães, por 7 a 1, foi um choque. Ela diz que “Aquele 7x1 acabou com todo esse envolvimento. Foi um relacionamento intenso que teve um final triste, muito triste. Não era pra ter acabado, tudo podia ter sido evitado.

Flávia Araújo citou vários eventos esportivos relevantes em sua trajetória profissional, como entrevistar ídolos do futebol mundial, a exemplo de Rivaldo e Zico, cobrir a chegada da Taça da Copa do Mundo em Belém, o treino e o jogo da Seleção Olímpica em Belém. Ela destaca algumas transmissões que marcaram, como o confronto entre Paysandu e Fluminense/RJ, pelas Oitavas de Final da Copa do Brasil de 2015.

A repórter da TV Liberal admira o trabalho da jornalista Bárbara Coelho, que conduz o programa “Tá na Área”, do Sportv. Para Flávia, o carisma natural da apresentadora faz com que ela se destaque. “Acho que esse é o maior desafio de todo apresentador: a naturalidade. Pra mim, uma inspiração porque o público cobra isso. Ele quer que a gente converse com ele ali, olho no olho. E não mais um robô. A Barbara faz isso muito bem”, frisou Araújo.

O carisma também é um dos pontos fortes de Glenda Kozlowski, segundo Syanne Neno. Além de ser da mesma geração da entrevistada, a credibilidade e o conteúdo da apresentadora do Esporte Espetacular, da Rede Globo, são os seus pontos fortes.

Paloma Tocci, da Bandeirantes, tem o diferencial da voz e do texto mais agradável, no campo esportivo, para Malato, que também ressalta a espontaneidade de Fernanda Gentil e a beleza e conteúdo da Renata Fan. “Elas me representam (risos)”, brinca a jornalista.

Além de buscarem inspiração nas jornalistas esportivas mais experientes, as repórteres são exemplos para os iniciantes na carreira, em especial às mulheres, e deixam alguns conselhos. Mariana Malato afirma que a sensibilidade é o diferencial. “Focar nos detalhes e em tudo de belo que pode rodear o futebol. Sem deixar de informar, claro”.

Syanne Neno diz que “É fundamental ter o futebol na essência, o ‘DNA’ de torcedor, e ler muito, ter uma sede infinita de bons textos nas mais variadas áreas”.

Flávia Araújo também destaca a importância da leitura e do estudo, além de ouvir os conselhos e críticas construtivas de quem está há mais tempo no mercado: “estude, leia. Tente ser a melhor e procure o seu estilo. Não se preocupe em ser igual a fulana ou sicrana. Se inspire, claro, mas seja você. Acho que com respeito, seriedade, e profissionalismo você consegue vencer os desafios”.

Registro a imensa gratidão à Flávia Araújo, Mariana Malato e Syanne Neno pelas excelentes contribuições e pela disponibilidade para participar da entrevista.
O Rodada Paralela parabeniza as suas leitoras pela passagem do Dia Internacional da Mulher! Muito obrigado a todas aquelas que contribuem, direta ou indiretamente, com o trabalho deste Blog!

quarta-feira, 2 de março de 2016

Parazão e Paulistão, por Dado Cavalcanti

Dado Cavalcanti completou, no final de fevereiro, um ano comandando o Paysandu. O treinador, que já passou pela Ponte Preta, levou o Mogi Mirim, em 2013, às Semifinais do Campeonato Paulista e foi eleito o melhor técnico da competição[1], bateu um papo muito legal com o Blog, falou de gramados pesados, qualidade técnica dos estaduais, mostrou os pontos em comum e as peculiaridades das competições do Pará e de São Paulo.
 
Dado Cavalcanti conversou com o Rodada Paralela, no último sábado (27/02/2016), véspera do jogo contra o Águia de Marabá, pela Semifinal do Primeiro Turno do Campeonato Paraense de 2016. (Foto: Ascom Paysandu. Disponível em: http://globoesporte.globo.com/pa/futebol/times/paysandu/noticia/2016/01/dado-comemora-planejamento-do-paysandu-para-temporada-2016.html).
 
RP: Quais as semelhanças entre o Campeonato Paraense e o Paulista? Quais os pontos de ligação entre essas duas competições?
 
DADO: São poucos. O que eu posso falar é que existem muito mais diferenças do que semelhanças. É muito mais fácil e mais direto trabalhar em cima das diferenças. Talvez a semelhança maior seja essa: em São Paulo, nessa época do ano, chove muito. Constantemente, você vê jogos em campos pesados. Na última rodada, no meio de semana, vi um jogo do São Bento e um em Capivari. Os campos estavam encharcados, pesados, o que requer dos atletas um pouco mais de exigência física. O Campeonato Paraense se desenvolve no inverno amazônico, em que chove todos os dias. Dificilmente, nós enfrentamos jogos onde não tenha chuva. Talvez em Santarém chova menos, um pouco, nesse momento. Tucuruí, praticamente toda vez que tem jogo, tem chuva. Aqui, em Belém, os campos são um pouco mais pesados.
 
Na questão técnica e competitiva, o Campeonato Paulista não se compara a nem um outro do Brasil. Para mim, é a Série A dos estaduais. É onde tem a melhor qualidade, a melhor estrutura das equipes. Muitas das equipes de São Paulo, que só disputam o Campeonato Paulista, têm mais estrutura do que equipes que disputam a Série B. O investimento financeiro também é propício, as equipes recebem uma cota significativa, que é praticamente igual a da Série B. Os clubes, recebendo essa cota, mantém a equipe o ano inteiro. Aqui, no Campeonato Paraense, também existe a cota, que é significativa, existe a ajuda da Federação, em relação a transporte e viagens. No caso das viagens mais longas, são aéreas. Mas acho que são campeonatos bem diferentes, principalmente no nível técnico. Eu posso dizer que o Campeonato Paulista está acima de todos os outros. Não só do Paraense, que fique bem claro. Acho que, no Brasil, a competitividade do Campeonato Paulista e os níveis de disputa são muito mais próximos.
 

Partida entre Independente e Paysandu, disputada em Tucuruí, no Estádio Antônio Dias (Navegantão), válida pelo Campeonato Paraense de 2015, vencida pela equipe local por 2 a 0. Destaque para a forte chuva e as condições do gramado.
RP: Você falou dos gramados pesados como uma semelhança entre as competições. Isso tem interferência na formação do plantel? Quais as características que um jogador precisa ter para atuar no Parazão e no Paulistão?
DADO: Aí, posso falar a semelhança. A primeira delas é a qualidade técnica. Independentemente da disputa, das condições da competição, na minha opinião, parto do princípio da qualidade técnica. Um jogador bom vai jogar o Campeonato Paraense, o Campeonato Paulista, a Champions League... o jogador qualificado vai estar preparado. Vai enfrentar o campo ruim, mas a qualidade técnica dele vai sobressair. Vai enfrentar um clima chuvoso, mas a qualidade cognitiva, de entender e assimilar a dificuldade do jogo, vai sobressair. Vai enfrentar uma marcação individual, a inteligência de jogo vai se sobressair. Então, primeiro de tudo, o bom jogador joga no Pará, em Belém, em São Paulo, em qualquer lugar.
Na montagem do elenco, às vezes, é necessário ter um pouco mais de conhecimento específico da competição. As outras variáveis vêm por arrasto. Primeiro, a qualidade técnica. Depois, a quantidade de jogadores no elenco, porque o Estadual, a gente sabe, é um pouco menor. Então, não tem porque fazer um elenco “inchado”. Na Série B, a gente tem um campeonato de trinta e oito rodadas. No Estadual, quinze, dezesseis, no máximo. Então, muda também a quantidade de atletas e as características, porque você tem que ter jogadores polivalentes, aqueles que jogam em algumas funções e isso também interfere.
Dado Cavalcanti, em sua passagem pelo Mogi Mirim Esporte Clube/SP, quando foi escolhido o melhor técnico do Paulistão 2013. (Foto: Carlos Velardi/EPTV. Disponível em: http://globoesporte.globo.com/sp/campinas-e-regiao/noticia/2013/03/profecia-de-dado-cavalcanti-da-certo-e-mogi-e-o-melhor-ataque-do-paulistao.html).

RP: Em Belém, temos dois grandes clubes, Remo e Paysandu, que sofrem a pressão pela conquista do título estadual. Em São Paulo, existem as equipes grandes da capital e muitos times fortes, no interior. Você acha que a pressão, no Pará, por conta do menor número de times de massa, é maior, já que apenas dois são favoritos?
DADO: Não (risos). Em Santa Catarina, têm cinco ou seis que disputam o título, talvez não com a mesma grandeza dos de São Paulo, não com a mesma repercussão nacional de um jogo ruim ou mesmo de uma derrota. A pressão é a mesma em qualquer lugar. Talvez aqui (no Pará), na Bahia, por só ter Bahia e Vitória, no Ceará, em Minas (Gerais), por só ter o América Mineiro correndo por fora, em Porto Alegre, por só ter o Grêmio e o Internacional, existe uma centralização das informações. Talvez Remo e Paysandu sejam muito mais divulgados do que as equipes do interior. Mas o perdedor vai sempre colher a derrota, independente de quantos disputem a competição... a competição não é apenas disputada por dois. Ano passado, a Final do Primeiro Turno (do Campeonato Paraense) foi entre Independente e Parauapebas. Aqui, já houveram duas equipes do interior que foram campeãs, Independente (em 2011) e Cametá (em 2012). O Campeonato Paulista já foi vencido pelo Ituano, por exemplo. Em outros momentos, Novorizontino e Bragantino já venceram o Campeonato Paulista.[2] Poucos estados são os que não têm campeão do interior. São raras exceções. Mas a pressão é a mesma. Eu vejo mais ou menos isso.



Final do Campeonato Paraense de 2011, o primeiro a ser conquistado por uma equipe do interior do Estado. O Independente Atlético Clube, de Tucuruí, derrotou o Paysandu Sport Club, nos pênaltis, depois de empatarem por 3 a 3 no tempo regulamentar.


Segundo jogo da Final do Parazão 2012, conquistado pelo Cametá Sport Club, após empatar com o Clube do Remo em 2 a 2.
RP: Você tem acompanhado o Campeonato Paulista deste ano? Quem você aponta como favorito?
DADO: Bom, é obrigação acompanhar o melhor campeonato estadual, até porque analisamos com perspectiva de Série B. Estamos visualizando e acompanhando alguns jogadores... acho que o Corinthians, hoje, sai na frente dos demais, por estar mais encaixado. As equipes do interior estão oscilando muito. Não dá pra ter um parâmetro. O Água Santa começou muito bem, fez dois jogos fora e tomou quatro a zero nos dois. Então, já balança um pouco mais. Algumas equipes que começaram ruins o Campeonato começaram a ganhar pontos. A Ponte Preta começou mal o Campeonato, mas já venceu uma partida de goleada e está na zona de classificação. Ou seja, tem muita coisa, ainda. Está no iniciozinho do Campeonato e não dá pra cravar muita coisa.
 
O Blog agradece a atenção do técnico Dado Cavalcanti em responder as perguntas, bem como a Assessoria de Imprensa do Paysandu, na pessoa do Jorge Luiz, por possibilitar a realização da entrevista.

[1] Disponível em: http://placar.abril.com.br/materia/corinthians-domina-selecao-do-campeonato-paulista-2013.
[2] O Novorizontino decidiu o Campeonato Paulista de 1990 com o Bragantino, que se sagrou campeão. A equipe de Novo Horizonte não conquistou a Série A1 do Paulistão.